Filha de um casal de sertanejos de fibra, D. Bela, exímia costureira e bordadeira, e Sr. Francisco Loiola, agricultor de subsistência, Joana é a segunda de nove irmãos, todos nascidos na fazenda Queimada dos Loiolas, em Uauá-BA, pelas mãos de competentes parteiras, formadas na prática.
Da mãe, aprendeu a arte de bordar e de costurar, muitas vezes tendo que repetir infinitamente a mesma operação para atingir a perfeição exigida por sua mestra. Também recebeu o estímulo pra estudar e voar, pelo menos na imaginação. Completou o primário e tornou-se professora leiga na fazenda Queimadas dos Loiolas, onde alfabetizou muitas crianças, hoje médicos, professores, juízes, pequenos empresários.
Do pai, herdou o gosto pelas coisas da terra, acompanhando-o no tocar das cabras para o curral, ajudando-o a alimentá-las e ordenhá-las, protegendo os borregos enjeitados, espiando-o retalhar e salgar a carne. Tomou-se de amores atávicos pelas coisas do sertão.
Com as inúmeras e queridas agregadas da família, aprendeu a manejar os imensos tachos de fazer sabão, torrar café e cozinhar buchada, sarapatel, espinhaço, e bode afogado, iguarias do sertão. Compartilhou ainda o cuidar da casa, das aguadas, dos potes de água de beber.
Viveu momentos mágicos, nos encontros, ao anoitecer no alpendre de casa, com todos sentados em cepos ou deitados em redes, ouvindo histórias de Lampião – cangaceiro ou justiceiro? - nunca chegou a uma resposta definitiva; de Seu Conselheiro – fundador da comunidade de iguais de Canudos; da guerra de Canudos – Uauá foi palco da primeira batalha da guerra de Canudos pela qual os ideários de igualdade de Conselheiro foram esmagados por forças do exército brasileiro; de beatos e de beatas; de fome, de pobreza, de seca; de alimentos da Aliança para o Progresso – desviados e vendidos para aumentar a riqueza e o poder de representantes da igreja, que ainda não conheciam a teologia da libertação, e dos coronéis. O horário da Hora do Brasil era sagrado, assim como as missas na pequena capela da fazenda e os programas de rádio de música nordestina, sobretudo de forró.
Embalada por muitas histórias e estórias que lhe fascinavam e, simultaneamente, amedrontavam, pelo gosto por música e por festas, sua curiosidade em relação à vida foi sendo atiçada. Seu desejo de aprender, potencializado. Queria uma vida diferente para si e para os seus.
Todas essas heranças moldaram uma pessoa extremamente religiosa, que aspirava continuar seus estudos e conhecer novos portos, talvez menos seguros, mas igualmente fascinantes. Tornou-se uma pessoa persistente, habilidosa costureira e bordadeira, afetuosa, generosa, agradecida, alegre e orgulhosa de suas origens culturais.
Mudou-se para Salvador, estimulada pela mãe Bela, com o sonho de continuar os estudos.
As dificuldades de acesso ao ensino na época (chegou a escrever uma carta ao então presidente Getúlio Vargas, pedindo ajuda para estudar) e a necessidade de trabalhar para o seu sustento, jogam-na no mercado de trabalho e paulatinamente afastam-na da realização de seu sonho de estudar.
Casa-se aos 22 anos e constroi uma família de nove filhos, oito dos quais vivos até hoje. Exerce as profissões de costureira, consultora avon, vendedora de jóias, de roupas adquiridas em São Paulo e no Rio de Janeiro, dona de pensionato, fornecedora de marmitas, etc, como trabalhadora informal, sem abrigo da seguridade social. Em todas, sobressai-se, ganha prêmios; torna-se o esteio de sua família nuclear e um apoio para aqueles parentes, ou não, que chegavam de Uauá a Salvador.
Com a sogra Lídia, portuguesa de Coimbra, diversifica sua competência na cozinha. É introduzida na arte da bacalhoada e de cozinhar mariscos. Com o tempo, torna-se mestre nos famosos pratos da cozinha baiana: caruru, vatapá, moqueca.
Seu ativismo, suas raízes, sua persistência e busca por um futuro melhor para seus filhos não a deixam parar de sonhar e de se desafiar.
Em 1982, identifica e explora uma oportunidade de mercado, fundando com seu cunhado Bruni, o restaurante Uauá, em Itapoan, primeiro da cidade do Salvador especializado em comida (bode assado, paçoca, pernil de carneiro, baião de dois, queijo coalho, buchada) e música sertanejas.
Com o tempo, agarra nova oportunidade de mercado e o restaurante muda-se para o Pelourinho, patrimônio histórico mundial. Preservando seu conceito original, desde a decoração com réplicas de fachadas de casas de sopapo, utensílios de montaria, de casa de farinha, imagens de santos e reproduções de cenas da batalha de Canudos, e a utilização de carne de bode e do sol, feijão, farofa, seu cardápio renovado passou a incluir as famosas comidas baianas, concretizando, pela gastronomia, a famosa profecia de Conselheiro: o mar virou sertão e o sertão virou mar.
Mas “a vida não para; a vida é tão rara”!
E parar não se configura opção para Joana quando, em função de problemas no joelho, precisa realizar uma cirurgia, ficando com dificuldades no andar. Diante da inesperada impossibilidade de permanecer à frente do Uauá, se questiona quanto ao rumo que sua vida tomaria a partir daí, como poderia se reinventar, com que habilidades poderia contar nessa nova fase.
Lembra-se então da renda renascença, atividade que sentia prazer em executar na mocidade. Contudo, há mais de 30 anos se afastara e sabia que a técnica evoluíra, não sendo mais a mesma que aprendera com sua mãe. Para fazer, fazer bem feito!
Sendo Pernambuco o berço da renda renascença, segue para a casa de uma sobrinha em Recife a fim de poder pesquisar, in loco, a melhor maneira de se atualizar. Procura na Feira de Artesanato e localiza uma rendeira que se dispõe a treiná-la, desde que fosse até Poção, cidade a mais de 200 km de Recife, o que imediatamente aceita. Hospeda-se numa pousada e, durante uma semana se dedica a atualizar e aperfeiçoar sua criação de bordados em renda renascença. Desde então, produz as mais variadas peças, com a paciência, habilidade e precisão que esta arte requer, comercializando, inclusive, alguns bordados.
O amor pelo conhecimento, presente na vida de Joana desde muito cedo, também se manifesta no campo espiritual. De família católica, foi ativa nos grupos da igreja mas não se sentia satisfeita com as respostas obtidas a alguns de seus questionamentos, nem aceitava certas proibições inexplicáveis. Em Salvador, já casada, tem oportunidade de ouvir uma palestra de Divaldo Franco e entusiasma-se com a doutrina espírita por oferecer explicações a muitas de suas dúvidas. Aprofunda-se através da leitura das obras, da participação nas reuniões, contudo, com o passar do tempo, não se sente totalmente contemplada. Dedica-se ao estudo de outras religiões e filosofias, ingressa na Seicho-no-ie, até que encontra na Meditação o caminho que sempre ansiou.
Prestes a completar 90 anos, Joana Loiola atualmente frequenta a instituição Brahma Kumaris onde desenvolve a prática da haja-yoga e uma nova visão da espiritualidade que a levam a afirmar que em sua vida aconteceram verdadeiros milagres que só agora compreende.
Com seu espírito inovador, há pouco mais de um ano decidiu se reinventar e “morar sozinha”. Pela primeira vez sem pais, marido ou filhos, convida uma de suas irmãs a dividir com ela e sua fiel escudeira um novo começo, materializando sua máxima de que “cada pessoa precisa viver a sua história, ninguém vive o caminho do outro, ninguém salva o outro”. E arremata: “Tenho esperança no despertar da humanidade!”
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