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Conceição Evaristo

Hoje 15 de outubro, dia dos professores, decidimos homenagear a todas e todos profissionais da educação, com a persona ilustre da Professora Maria da Conceição Evaristo de Brito, que além de professora é considerada uma das maiores escritoras da atualidade. A autora escreve livros que mesclam memórias da mulher negra favelada com ficção, com um estilo batizado como escrevivência. Esta Brasileira, contemporânea, vem sendo especialmente ativa nos movimentos pela luta negra.

A autora, publica poemas, ficção e ensaios,  de primeira grandeza. Sua trajetória é tão pungente que escolhemos algumas de suas falas, para contar o início:

Conceição Evaristo po Conceição Evaristo*

“Sou mineira, filha de Belo Horizonte, meu registro informa que nasci no dia 29 de novembro de 1946. Essa informação deve ter sido dada por minha mãe, Joana Josefina Evaristo, na hora de me registrar, por isso acredito ser verdadeira. Minha mãe, nunca foi mulher de mentir. Deduzo ainda que ela tenha ido sozinha fazer o meu registro, portando algum documento da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte. Uma espécie de notificação indicando o nascimento de um bebê do sexo feminino e de cor parda, filho da senhora tal, que seria ela. Tive esse registro de nascimento comigo durante muito tempo. Impressionava-me desde pequena essa cor parda. Como seria essa tonalidade que me pertencia? Eu não atinava qual seria. Sabia sim, sempre soube que sou negra.”

A escritora, teve pouco contato com o pai, sendo criada pela mãe, lavadeira de profissão, e pelo padrasto, Aníbal Vitorino, pedreiro, numa comunidade da Avenida Afonso Pena. Cresceu acompanhada por mais três irmãs, filhas do mesmo pai e da mesma mãe - Maria Inês, Maria Angélica e Maria de Lourdes - e dos cinco irmãos filhos do novo relacionamento da mãe com o padrasto.

Aos sete anos foi viver com a tia, Maria Filomena da Silva, a irmã mais velha da mãe, que também era lavadeira e o tio, Antonio João da Silva, que era pedreiro. O casal não tinha filhos. Aos oito anos, começou a trabalhar como empregada doméstica. Conceição, como os irmãos e os pais, sempre estudou em escolas públicas, tirando o curso de professora primária no Instituto de Educação de Minas Gerais. 

Sua  formação acadêmica se inicia, quando em 1973, com auxílio de amigos, Conceição Evaristo se muda para o Rio de Janeiro. Lá se forma em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; conclui o mestrado em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro defendendo, em 1996, com a dissertação Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. Na sequência, faz o doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense defendendo a tese, em 2011, Poemas malungos, cânticos irmãos.

Sua Caminhada Profissional:

Atuou como como docente em escolas do ensino público do Rio de Janeiro, seguindo seus primeiros passos profissionais.

Na década de 90, iniciou sua trajetória como autora, publicando obras de gêneros literários diversificados: - poesia, ficção e ensaio.

Importante ressaltar que certa quantidade das suas obras já foram traduzidas para o francês. 

Algumas Homenagens e Prêmios:

Prêmio Jabuti de Literatura de 2015, na categoria Contos e Crônicas, por Olhos D’Água;

Foi tema da Ocupação Itaú Cultural, em 2017;

Prêmio Faz a Diferença - Categoria Prosa, de 2017;

Prêmio Cláudia - Categoria Cultura, de 2017;

Prêmio de Literatura do Governo do Estado de Minas Gerais, de 2017;

Prêmio Bravo(revista) com Destaque 2017;

Prêmio Mestre das Periferias em 2018;

Homenageada do Prêmio Jabuti de 2019.

Principais obras publicadas de Conceição Evaristo:

  • Ponciá Vicêncio (romance, 2003)

  • Becos da Memória (romance, 2006)

  • Poemas da recordação e outros movimentos (poesia, 2008)

  • Insubmissas lágrimas de mulheres (contos, 2011)

  • Olhos d'água (contos, 2014)

  • Histórias de leves enganos e parecenças (contos e novela, 2016)

  • Canção para ninar menino grande (romance, 2018)

Algumas poesias de Conceição Evaristo

O olho do sol batia sobre as roupas do varal e mamãe sorria feliz. Gotículas de água aspergindo a minha vida-menina balançavam ao vento. Pequenas lágrimas dos lençóis. Pedrinhas azuis, pedaços de anil, fiapos de nuvens solitárias caídas do céu eram encontradas ao redor das bacias e tinas das lavagens de roupa. Tudo me causava uma comoção maior. A poesia me visitava e eu nem sabia…

 

(Conceição Evaristo, na ‘epígrafe’ de abertura do livro “Poemas da recordação e outros movimentos”. Belo Horizonte: Nandyala, 2008.)

Vozes-Mulheres 

A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.

A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.

A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela

A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
        e
        fome.

 A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.

A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade. 

 

(Poemas de recordação e outros movimentos, p. 10-11)

A noite não adormece nos olhos das mulheres
      Em memória de Beatriz Nascimento

 

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
a lua fêmea, semelhante nossa,
em vigília atenta vigia
a nossa memória.

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
há mais olhos que sono
onde lágrimas suspensas
virgulam o lapso
de nossas molhadas lembranças.

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
vaginas abertas
retêm e expulsam a vida
donde Ainás, Nzingas, Ngambeles
e outras meninas luas
afastam delas e de nós
os nossos cálices de lágrimas.

A noite não adormecerá
jamais nos olhos das fêmeas
pois do nosso sangue-mulher
de nosso líquido lembradiço
em cada gota que jorra
um fio invisível e tônico
pacientemente cose a rede

 

(Conceição Evaristo, em Cadernos Negros, vol. 19).

Eu-Mulher


Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.

 

(Conceição Evaristo, no livro “Poemas da recordação e outros movimentos”. Belo Horizonte: Nandyala, 2008).

 

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